USP-2019

Crises (staseis) e mudanças (metabolai)

A democracia ateniense na contemporaneidade

 

USP — 07 de novembro de 2019

Prédio de Letras, sala 266

 

 

14h às 16h15:

 

Deliberação e ideologia nas Suplicantes de Eurípides

Christian Werner (USP/CNPq)

 

Formas de governo na retórica: alguns exemplos da percepção da Democracia e da Oligarquia em Demóstenes

Priscilla Gontijo Leite (UFPB)

 

Um problema de Isegoria. Crise nas democracias contemporâneas.

Teresa Nunes (U. Coimbra)

 

Crise democrática na Atenas do séc. IV: o discurso Areopagítico de Isócrates 

Ticiano Curvelo Estrela de Lacerda (UFRJ)

 

Moderador: Daniel Rossi Nunes Lopes (USP)

 

 

16h30 às 18h30:

 

Crises e mudanças na democracia ateniense. A atuação de Terâmenes

Delfim Leão (U. Coimbra) e Breno Sebastiani (USP/CNPq)

 

A filosofia grega como obstáculo político

Miguel Monteiro (U. Coimbra)

 

Stásis e a natureza humana em Xenofonte: Ciropedia como complemento das Helênicas

Emerson Cerdas (USP/FAPESP)

 

Moderadora: Lucia Sano (UNIFESP)

 

 

 

Organização:

 

Breno Sebastiani (USP/CNPq)

Flavia Fernandes Benini (USP)

 

 

Apoio:

fc

 

 

 

 

 

 

 

Resumos:

 

Deliberação e ideologia nas Suplicantes de Eurípides

Christian Werner (USP/CNPq) 

Suplicantes, considerada a mais política das tragédias supérstites de Eurípides, produz uma aproximação radical entre o mundo mitíco e o mundo do espectador ao evocar, em alta densidade, Atenas e suas ideias e práticas políticas bem como o contexto contemporâneo da guerra do Peloponeso. Todavia, nela falta, ainda assim, uma cena que possa ser equiparada à vivência da mais típica instituição da democracia ateniense, a assembleia. Chega-se bastante próximo, porém, como irei mostrar nesta comunicação, no primeiro episódio. Meu objetivo será discutir de que forma uma tragédia poderia, ao incorporar ideologias divergentes atuantes nas instâncias deliberativas atenienses, formular críticas, por certo limitadas, dessas ideologias. Para isso vou investigar os meandros de dois cenários de construção de uma política de guerra de ataque desenvolvidos no poema, indicando que as ideias que buscam sustentar as políticas são fragilizadas alhures na tragédia.

 

 

Formas de governo na retórica: alguns exemplos da percepção da Democracia e da Oligarquia em Demóstenes

Priscilla Gontijo Leite (UFPB)

Demóstenes é reconhecido como um dos grandes oradores da Antiguidade, com o maior número de discursos preservados no Cânone dos dez oradores áticos. Sua imagem foi mobilizada por ser considerado um modelo tanto de primazia retórica quanto de atuação do bom cidadão. Ele também é associado à luta pela defesa da liberdade e da democracia de Atenas, avaliando com temeridade o crescimento do poderio macedônico. Assim, Demóstenes é fortemente associado a defesa dos valores democráticos, como demonstra a aproximações entre o orador e Winston Churchill no enfrentamento contra Hitler. Apesar de a defesa da democracia ser um tema recorrente no orador e em seus discursos deliberativos e forenses tem-se a construção do ethos do bom democrata, Demóstenes não é um teórico da democracia e muito de sua visão sobre ela está ligada a uma idealização da experiência de Atenas anterior a Guerra do Peloponeso, durante o apogeu da talassocracia. Na construção da defesa da democracia e do ethos do democrata, elementos da oligarquia e do oligarca são utilizados. Assim, o objetivo da comunicação é avaliar o uso das formas de governo Democracia e Oligarquia por Demóstenes. Iremos avaliar a construção da antítese entre elas e como o orador utiliza as experiências oligárquicas (404 e 411) nessa operação. Também será objeto de análise perceber se a pressão do avanço da Macedônia influenciou na construção dessa antítese, em especial a dois temas: i) a relação entre a prática do suborno e decadência política e ii) a questão da educação de quem está no exercício do poder, seja o povo, os oligarcas ou o monarca. Acreditamos que esses temas são de interesse para refletirmos a nossa própria prática democrática. 

 

 

Um problema de Isegoria. Crise nas democracias contemporâneas.

Teresa Nunes (U. Coimbra)

Se nas democracias contemporâneas, herdeiras e garantes dos Direitos Humanos, consideramos democrático o regime político da Atenas do sec. V a.C., esclavagista e esteado exclusivamente pela participação masculina, é graças à Isonomia, Isocracia e Isegoria que em teoria o definiam. Três princípios que pela primeira vez traziam a um sistema governativo uma predisposição para igualdade numa sociedade estratificada e desigual. Predisposição essa que falhou na concretização e se transformou numa paradoxal bandeira imperialista, precipitando a democracia ateniense no abismo da tirania dos trinta. Em pleno século XXI, as democracias contemporâneas padecem uma vez mais de uma obsessão com fronteiras que torna novamente real o perigo de regimes tirânicos e autoritários. Estes emergem no seio das próprias democracias através da manipulação da sua principal ferramenta – o discurso argumentativo e a liberdade de expressão –, que usam para legitimar ataques à dignidade humana como uma questão de opinião. Trata-se de um problema de Isegoria que colocou as democracias contemporâneas diante da perversidade de, num regime de iguais, se relativizar a defesa da desigualdade e da desumanidade. Este trabalho centrar-se-á, assim, na revisitação deste conceito ateniense e na sua versão moderna de livre discurso visando compreender a atual crise democrática e as mudanças necessárias para a enfrentar.

 

 

Crise democrática na Atenas do séc. IV: o discurso Areopagítico de Isócrates 

Ticiano Curvelo Estrela de Lacerda (UFRJ)

Desde o séc. VII a.C., a colina do Areópago exercia um papel fundamental na vida política ateniense. Ainda antes da instauração da democracia, os areopagitas, arcontes oriundos de antigas famílias aristocráticas, formavam o mais antigo Conselho por princípios de hereditariedade. Debatiam, por isso, as questões mais proeminentes da pólis, além de atuar como uma espécie de “Supremo Tribunal” para os crimes hediondos e de homicídio, exercendo assim funções tanto políticas como jurídicas e até mesmo religiosas da cidade. Todavia, após as reformas constitucionais de Clístenes, em 508 a.C., e sobretudo de Péricles, em 462 a.C., o Areópago perde parte de sua importância política, em razão da crescente influência dos democratas nas tomadas de decisões na cidade, o que limitou o poder dos areopagitas com a criação de outros tribunais. Mais de um século depois, em meados do IV a.C., os atenienses vivem a retomada de certo protagonismo perante os gregos, liderando a Segunda Liga Marítima, passadas algumas décadas do fim da Guerra do Peloponeso (404 a.C.), num aparente momento de estabilidade política. Porém, nesse contexto, buscando alertar os cidadãos para a importância que o tribunal do Areópago deveria voltar a exercer na cidade, Isócrates compõe o discurso Areopagítico (357-5 a. C.), ficcionalmente proferido naquela colina, a fim de exortar os atenienses a uma nova reforma política, visto que a antiga Constituição teria levado Atenas a um momento de lassidão, muito em razão do então poder limitado conferido aos arcontes do Areópago. O presente estudo tem como objetivo analisar excertos do discurso que são significativos para a compreensão do pensamento político do autor, que vê naquela democracia de seu tempo uma decadência da imagem da cidade diante dos demais gregos. Embora não seja propriamente um teórico da democracia, Isócrates oferece aqui valiosos ensinamentos de sua doutrina política, alinhada a seu ideal de paideia, que encontra em sua filosofia pragmática as diretrizes para o exercício da antiga democracia que precisa, segundo ele, ser restaurada. 

 

 

Crises e mudanças na democracia ateniense. A atuação de Terâmenes

Delfim Leão (U. Coimbra) e Breno Sebastiani (USP/CNPq)

O trabalho examina a atuação política do ateniense Terâmenes conforme narrada por Tucídides, Xenofonte, Lísias e na Constituição dos atenienses atribuída a Aristóteles. O exame almeja pôr em evidência os traços da personagem que fomentaram sua identificação como quintessência do vira-casaca, por um lado, ou do firme legalista, por outro, bem como as implicações dessa postura para a configuração da democracia ateniense no último quarto do século V a.C. e quais elementos ainda seria pertinente reter como subsídio para o debate contemporâneo sobre modos de aprimoramento da vivência democrática.

 

 

A filosofia grega como obstáculo político

Miguel Monteiro (U. Coimbra)

Sugere Peter Adamson que a verdadeira divisão de tradição intelectual significativa não é entre "Ocidente e Oriente" mas sim entre "as tradições intelectuais herdeiras do pensamento filosófico Grego, e as que não o são”. Na minha comunicação pegarei nesse conceito alargado de “filosofia de origem grega” e torcerei o conceito Hegeliano de "astúcia da Razão", vertendo-o em “astúcia da Filosofia”. Filosofia aqui será abordada aceitando a ideia de Leo Strauss (que a escavou dos diálogos platónicos) de que “filosofia política” é “philosophia prima”, e que deve ser entendido como “filosofia capaz de sobreviver na pólis”. A análise consistirá na pergunta: se há uma astúcia da Filosofia, ela serve a quem? Servirá a alguém, para além da própria filosofia? E, se serve apenas a própria filosofia, então podemos dizer que há um interesse da comunidade política em preservar a filosofia enquanto modelo de pensamento, ou estamos a deixar que o próprio modelo de pensamento filosófico, trancado desde o século V, nos domine sem que dele tiremos benefícios próprios? Formulando o dilema de forma dramática: será que os Atenienses tinham razão em matar Sócrates? Correlacionado a isto, levantarei a pergunta: haverá modelos de pensamento que sejam mais propícios a um florescer ou à eudaimonia do corpo político do que a forma mentis filosófica? Se sim, quais? Se não, porquê? O que é que há de totalizante na filosofia “à la grecque” que nos impede sequer de formular alternativas ao seu funcionamento? Finalmente, e dando a esta reflexão um cunho que a permita inserir-se mais cabalmente no contexto de uma jornada de Estudos Clássicos, essa característica totalizante, a existir, é derivada de algo inerentemente grego que tenha surgido aquando do nascimento ou desenvolvimento da filosofia, e, se sim, como é que ela se associa com o restante milieu grego de onde a filosofia ela mesma nasce?

 

 

Stásis e a natureza humana em Xenofonte: Ciropedia como complemento das Helênicas

Emerson Cerdas (USP/FAPESP)

No episódio narrado por Tucídides sobre a cidade de Corcira (3.82), o historiador reflete a respeito da stásis e sua relação com a natureza humana: enquanto a natureza humana for a mesma, a státis ocorrerá onde e quando houver descontentamento social diante da situação política e econômica das cidades. Nesse sentido, o conceito de stásis não é apenas um agente de natureza política, mas também moral. O presente trabalho visa analisar esse conceito e as suas implicações nas obras de Xenofonte, as Helênicas e a Ciropedia, tomando-as como dois livros que se complementam na medida em que, enquanto as Helênicas desvelam, pela narrativa de eventos reais, os riscos e perigos surgidos pelas constantes rebeliões e divisão por facções políticas nas cidades gregas, a Ciropedia apresenta um método xenofonteano, ainda que idealizado, de como se pode conter as stásis a fim de se conquistar um mundo político harmônico que conduza e satisfaça a todos que compõem a cidade.